Nos passados dias 13, 14 e 15 de Agosto, Viana do Castelo foi, mais uma vez, palco daquele que é o mais prestigiado festival de música electrónica realizado em terras lusas.
Com direito a novo naming (ex-anti pop festival) e de cara lavada (nova produção), o Neo Pop tinha como grandes destaques nomes como James Holden, Alex Under, Paul Kalkbrenner, Guy Gerber, Wighnomy Brothers ou Audion, razões mais do que suficientes para merecer destaque nas emissões regulares dos 107.9FM e consequente cobertura de operações.
O cenário, esse, mantém-se. E ainda bem! Viana do Castelo é uma cidade bonita, acolhedora e onde se come e bebe muito, muito bem... Não se respira um ambiente festivaleiro comum, em virtude deste ser um festival de cariz urbano e, além do mais, Agosto significa muita e boa festa nas ruas da capital minhota: as ruas estão vestidas de cor e luz para receberem a mítica romaria da Senhora da Agonia.
Aumentamos um pouco o zoom sobre a geografia da cidade, para recordarmos que o neo pop tem lugar no forte de Santiago da Barra, um lugar mítico, quer pelo facto de estar colocado entre a foz do lima e os estaleiros, conferindo um ar decadento-industrial que tão bem encaixa na cultura clubbing, quer pela simples componente inerente à arquitectura tradicional do forte.
Vamos por partes, ou melhor, por dias. A nomenclatura correcta será mesmo noites, ainda que estas apenas tenham terminado, invariavelmente, já o sol ia quente e alto...
Na noite inaugural, quinta-feira, o destaque tem, obrigatoriamente, de ir para o britânico James Holden. O patrão da Border Community, aquela que é uma das editoras que melhor consegue conciliar o melhor do techno e da cena trance, assumiu os pratos pouco depois das 5h30. Num set com mais de 2 horas, a toada progressiva ditou as regras. Ora numa onda mais emocional ora mais perto da distorção, James Holden pintou um set bem à sua imagem, aguentando heroicamente o público ao rubro até o sol nascer por trás do monte de Santa Luzia e inundar o recinto de luz...
Ainda na primeira noite, importa referir as actuações de Reboot e Joris Voorn, ainda que por motivos algo distintos. Reboot foi o primeiro nome internacional a actuar, o único da noite em formato live. O alemão, embrionicamente ligado à editora de Lucien Nicolet aka Luciano, Cadenza, fez jus à casa-mãe de Lausanne e presenteou-nos com um techno com laivos latinos, étnicos e linhas de baixo extremamente “bailables”. O público, esse, custou a entrar na onda... Mas aqueles que entraram, gostaram e muito daquilo que viram e ouviram. Quanto a Joris Voorn, nada de muito surpreendente. É certo que o holandês tem a fórmula para fazer mexer o público, mas é raro vê-lo arriscar... O set foi uniforme, demasiado uniforme, sempre intenso e contagiante, mas faltou-lhe um pouco alguma irreverência, um “qualquer-coisa” que marcasse verdadeiramente a diferença... Ainda assim, a audiência respondeu massivamente ao apelo dos graves de Joris, como aliás é apanágio do público português.
Naquele que era para muitos o mais forte dia do festival, a noite de sexta-feira, 14 de Agosto, trouxe-nos ( e por esta ordem) Paul Ritch, Audion, Expander e Alex Under. Paul Ritch foi um dos pontos altos da noite, não tanto por ter marcado a diferença em termos sonoros, mas sobretudo pela sua energia contagiante com que presenteia cada set. As linhas de baixo flutuantes e bastante intensas acabavam, por vezes, por abafar, inclusivamente, a definição da música, de tão fortes que eram... Um pouco à imagem de Joris Voorn, o francês puxou e muito pelo público, mas no que a parte criativa diz respeito, Paul Ritch não inovou em relação àquilo que já dele conhecíamos.
O ponto alto da noite e, porventura, do festival estava reservado para instantes mais tarde. Era um dos nomes mais aguardados pelos apreciadores das novas tendências da música electrónica, quer pela criatividade que emprega nas suas composições, quer pelo facto de ser um homem de várias caras e que tanto tem dado às diversas vertentes do techno actual. Matthew Dear assina os seus trabalhos em nome próprio numa onda mais pop, é False e Jabberjaw no seu techno mental e experimental, mas foi como Audion, o seu alter ego mais virado para à pista, que o americano se mostrou a Viana do Castelo. E que mostra! Num trabalho bastante conceptual, com direito a videoarte específica mais minimalista e hipnótica, Audion começou o seu live numa coordenada mais crua, abstracta e introspectiva. Uma parte do público embarcou numa jornada à boleia de loops quase alucinogénios. A outra simplesmente não compreendeu a jornada que Audion nos quis levar a fazer... A viagem mais introspectiva durou cerca de 45 minutos. O relógio marcava quase 5 da manhã quando o som se começou a mutar progressivamente... O minimal ruídismo foi lentamente dando lugar a sons mais agressivos, a distorção tomou lugar de destaque. O baixo, esse, era quente, simples, atraente... A parte final foi auspiciosa, de raízes quase apocalípticas. Num rasgo de genialidade, Audion retirou da cartola o que de melhor e mais intenso produziu até então e deu-o de mão beijada ao público presente na 5ª edição do ex-anti pop, actual neo pop... Se no início, a audiência não recebeu muito bem a onda mais abstracta com que Matthew Dear havia começado a sua performance, no final o público abraçou amplamente o som de Audion.
Depois de um trabalho tão conceptual quanto o de Audion, o português Expander não tinha tarefa nada fácil. Como seria de esperar sentiu-se o choque inicial da passagem de Audion para Expander... Todos nós sabemos quais as capacidades de Expander. A forma como prende o público e contagia a audiência tema após tema, é, de facto, especial, mas colocá-lo após Audion, não foi, certamente, a decisão mais correcta... Mas, se é certo que o seu set não caiu lá muito bem após Audion, também é certo que acabou por aquecer e muito o público para o que viria momento depois...
A fechar a noite, um dos pontas-de-lança do techno de nuestros hermanos: Alex Under... Longe vai o tempo em que o madrileno era um ilustre desconhecido e surpreendia meio mundo com os seus primeiros trabalhos por volta de 2003/04 e com o seu fantástico álbum “Dispositivos de Mi Granja” de 2005... Agora Alex é uma referência para muitos produtores e era com grande ansiedade que se aguardava a sua prestação neste neo pop...
O espanhol não deixou ninguém defraudado, conduzindo um live intenso, musculado, com imensa pedalada, bem à imagem da sua Cmyk Musik... Do ponto de vista conceptual, aquela não era a melhor hora para Alex tocar (começou a performance às 7h!), o relógio pedia algo menos enérgico, contudo o público respondeu de forma extremamente positiva, aguentando-se de forma heróica até o sol já queimar...
À entrada para a derradeira noite do festival, confesso que o corpo já começava a acusar as noites mal-dormidas e os muitos passinhos de dança, mas não se podia faltar, de forma alguma, à chamada de Paul Kalkbrenner, Guy Gerber e Wighnomy Brothers...
E ainda bem que ninguém faltou...
Kalkbrenner, que até se dá ao luxo de ser actor e compositor da banda sonora na longa-metragem germânica Berlin Calling, mostrou o porquê de ser um dos nomes mais apreciados pelo Origami e pela Rádio Universidade de Coimbra. O seu live foi doce, teve direito a canções, pôs o público a cantar refrões, de braços no ar e a pensar no amor e quando teve de ser mais forte, soou a rave, a festa... Que grande festa!
Depois tivémos Guy Gerber, que se portou muito bem. Na opinião de muitos, o israelita é detentor de um dos melhores live acts do momento. Em Viana do Castelo tivemos a confirmação que, de facto, vale bem a pena assistir ao trabalho de Gerber... Sempre com um dedinho num techno mais sonhador e hipnótico, a audiência nunca pareceu totalmente convencida, ainda assim o resultado final foi francamente bom!
Para o final do festival, a cereja no topo do bolo chamou-se Wighnomy Brothers! Que dizer do dj set dos rapazes de Jena? A escolha musical foi sublime, o ideal para o final da noite/início de manhã, a técnica de mistura simples, sem grandes invenções e com direito a alguns saltinhos aqui e acolá a provar que os djs também são humanos e, que acima de tudo, aqueles dois sabem fazer a festa como ninguém... Entre gestos aparvalhados e muito champagne, houve espaço para techno mais cru e mecanizado (bem ao estilo Freude-Am-Tanzen), sons mais quentes e tropicais, e é claro, muito amor pelo meio, ou não fosse Robag Wruhme um romântico de fazer inveja a Tony Carreira e até Barry White...
Ainda havia direito a um after-hours a ter lugar na discoteca Off, com Di Rosso, João Maria & José Belo e ainda Gruber & Nürnberg, mas, apesar da cabeça bem querer, o corpo já não conseguiu ir...
Foi um belo fim de semana, aquele que se viveu em Viana do Castelo, com naturais destaques para Audion, Holden, Kalkbrenner e Wighnomy Brothers, mas nem só de estrelas internacionais viveu o festival. Nos três dias de Festival passaram diversos nomes nacionais pelo único palco presente em Santiago da Barra, com especial destaque para os conimbricenses Hedonic2, que tocaram bastante cedo na segunda noite, mas que estiveram em grande forma, com um set não tão intenso como nos habituaram, que, contudo, encaixou que nem uma luva no momento...
Curiosamente, o outro destaque nacional também actuou na segunda noite. Os portuenses Re:Axis, fundadores da editora Monocline, mostraram por que razão são apontados, por muitos, como os melhores produtores de música electrónica em Portugal... O live foi muito equilibrado, bem trabalhado, com sonoridades a fazer lembrar o universo M_nus ou pioneiros do techno como Jeff Mills ou Robert Hood.... Uma agradável surpresa!
Em suma, balanço bastante positivo daquele que é o festival português de referência dedicado à música electrónica de componente clubbing... Nota positiva para o público, em maior quantidade e com mais vida que no ano passado... E também mais espanhóis, o que mostra que o Neo Pop está a ganhar força também além-fronteiras.
De negativo importa apontar a escassez de locais onde se podia comer algo durante a longa noite e o preço das bebidas em geral, da cerveja em particular...
Em jeito de despedida, deixo ainda uma sugestão. Seria interessante transformar o neo pop num evento de cariz nocturno e também diurno, com direito a performances dedicadas à electrónica mais experimental durante o dia... Seria uma forma de alargar horizontes do festival, tornando-o mais ecléctico e passível de atrair outros públicos... Além do mais deveria ser feita uma aposta maior nos vídeos e em toda arte inerente ao vjing... É certo que os Dub Video Connection, como responsáveis pelo vídeo, fizeram um bom trabalho, mas era interessante dar a conhecer novos nomes, novos talentos e até grandes individualidades do espectro internacional...
O neo pop está no bom caminho, e a continuar assim, tornar-se-á num dos mais desejados festivais da península...
André Tejo
Samstag, August 22, 2009
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Author: André Tejo